segunda-feira, 18 de junho de 2012

Quechuas, Incas e Ayahuasca

O quechua (quíchua, qhichwa), também chamado de quéchua é uma importante família de línguas originárias da América do Sul, juntamente com o Aimara, com quem está intrinsecamente relacionado reúne, o maior número de falantes de todas as línguas sobreviventes do Novo Mundo, cerca de dez milhões de pessoas de diversos grupos étnicos da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru ao longo dos Andes.

Segundo Lewis pode ser dividida em dois grandes grupos, com 46 variantes dialetais. O primeiro (Quíchua I ou Waywash) correspondendo ao falar das regiões mais altas do Peru reunindo 17 dialetos, sendo que o segundo (Quíchua II ou Wanp'una (viajante)), apresenta três ramos: (IIA) Yunkay falado por grupos isolados oeste do Peru; (II-B) Runasimi, falado no Equador, Colômbia, e regiões de planície na Amazônia peruana e equatoriana; (II-C) Quechua do Sul, falado nas terras altas do sul do Peru, na Bolívia, na Argentina e Chile. (Campbell)



Os vários dialetos são mais ou menos inteligíveis entre si e algumas de suas variantes correspondem as línguas oficiais de Bolívia, Peru e Equador. O Quechua do Sul, (II-C) apresenta o maior número de falantes e tem significativo legado cultural e literário. (Campbell).

Para maioria dos historiadores o quechua era o idioma oficial falado no Império Inca (associa-se o aimará ao apogeu da civilização de Tihuanaco) , ou seja não considerando a sucessão de culturas e formações imperiais (evidenciadas pelos achados arqueológicos de Caral Chavin, Moche, Nazca, Tihuanaco, Huari) se extendeu por um pouco mais de três centenas de anos, do sec XIII até 1532, a chegada dos espanhóis.

Segundo Heggarty, parece bastante claro que tanto o quechua e o aimará foram línguas faladas em algumas pequenas áreas pequenas, que através do processo histórico cultural da região se expandiram enormemente num processo análogo a língua da região em torno de Roma (Lácio), que foi utilizada pelo Império Romano (especialmente a parte ocidental), e sobreviveu transformado em modernas línguas românicas de Portugal para a Bélgica à Roménia.

Alguns autores observam que por frequencia de vocábulos e sons comuns o aimara e quechua poderiam ser incluídos numa mesma família (Quechumara) contudo suas estruturas gramaticais os diferenciam.

Ayahuasca

A maior evidência da utilização da ayahuasca por etnias de língua quechua, é a origem quechua da palavra “ayhuasca”, traduzida diversamente por liana (cipó, corda) das almas (do homem morto) além de algumas outras palavras, inclusive “Chakruna” que não só representa uma palavra como também um modo específico de preparo da bebida ayahuasca, que é a decocção conjunta da Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis (Highpine).

Outra evidência são os grupos quechuas que ainda utilizam a ayahuasca entre os quais os Ingas (Ingano) - Vale Sibundoy /Colômbia; os Kofan (Cofan) do Rio Putumaio – San Miguel / Equador e os Callawaya - (Quíchua), da Bolívia – Peru ao que parece uma etnia com elevado número de raizeiros (xamãs – ervanários ou comerciantes de plantas medicinais) e funções específicas no Império Inca, além das dezenas de cholos ou mestiços que não mais integram uma etnia mas conhecem algo do quechua e são curandeiros que utilizam ayahuasca.

A evidenciação da utilização da ayahuasca no império Inca e o conhecimento de suas formas de uso, possuem uma dificuldade maior de reconstrução. Considere-se a reconhecida violência das guerra de invasão e processo de ocupação. Podem ser tomados como exemplo a proibição do ritual coletivo Inti Raymi (em quéchua, "Festa do Sol") em 1572 pelo Vice-Rei Francisco de Toledo, por ser considerada uma cerimônia pagã e contrária à fé católica (Wikipédia) ou mesmo duma planta de ampla utilização por aquelas populações como a coca (do quíchua kuka - Erythroxylum coca) foi considerada pelo Concílio de Lima, 1567, como “inútil e perniciosa” (Delpirou; Labrousse)

Por outro lado, além das diversas referências à bebida sagrada dos Incas, inclusive na “Festa do Sol” com citação do próprio Inca Garcilaso de la Vega (1539 - 1616) (Ribeiro,2005; Ribas, 2008) parece não haver citações explícitas à ayahuasca nos documentos históricos mais conhecidos, Beyer descreve esse período como um “longo silêncio” onde não se evidenciou a presença da ayahuasca bebida nas terras altas nem mesmos em acusações de feitiçaria conhecidas, apesar de referências arqueológicas à outras substâncias enteógenas inalantes.

Lidamos com fragmentos, considero que somente após reunião de maiores evidências (etnografias, análises) que permitam compreensão da extensão e forma de uso de tais plantas a partir de mapeamento de uso, considerando as possibilidades de uso tradicional, adquirido recentemente ou potencialmente extinto no panorama das técnicas etnomédicas e demandas de saúde (ou mítico religiosa) de tais populações é que poderemos ter uma idéia mais aproximada da dimensão desse bem cultural.

Bibliografia

Beyer, Steve On the Origins of Ayahuasca. in: Singing to the Plants (site) http://www.singingtotheplants.com Wednesday, Apr 25th, 2012

Coe, Michael; Snow, Dean; Benson, Elizabeth. Antigas Américas, mosaico de culturas (2V) Es, E. del Prado, 1996

Campbell, Lyle. American Indian Languages: The Historical Linguistics of Native America, Oxford University Press, 1997, p. 189. In Wikipédia (Quechua)

Delpirou, Alain; Labrousse, Alain. Coca, Coke, produtores, consumidores, traficantes e governantes. SP, Brasiliense, 1988

Heggarty, Paul. Quéchua web site. http://www.quechua.org.uk/ (jun 2012)

Highpine Gayle. Unraveling the Mystery of the Origin of Ayahuasca. NEIP - Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos. (Jun. 2012) http://www.neip.info/index.php/content/view/2469.html

Lewis, Paul M. (org.), 2009. Ethnologue: Languages of the World, edição XVI. Dallas, Texas: SIL Internacional. Versão on-line: http://www.ethnologue.com/. Maio 2012

Longhena, Maria; Alva, Walter. Peru antigo (Grandes Civilizações do passado). Barcelona, Folio, 2006

Mercier H,,Juan Marcos; Fernández, María C.Nosotros los napu-runas : mitos e historia = Napu runapa rimay. Peru. Ministerio de Educación. Educación Bilingüe - Alto Napo.

Poblete, Enrique Oblitas. Plantas medicinales de Bolívia, farmacopea Callawaya. Cochabamba, La Paz, 1969

Ribeiro,Fernando. Os Incas, as plantas de poder e um tribunal espanhol. RJ, Mauad, 2005

Ribas, Ka, W. A ciência sagrada dos Incas. SP, Madras, 2008

Wikipédia, verbetes Quíchua, Incas, Inti Raymi (acesso jun. 2012)



O mapa acima é uma sobreposição das áreas dos principais grupos linguísticos à identificada como de consumo da ayahuasca por John M. Cooper, 1949 em seu texto "Estimulantes e narcóticos" publicando no Handbook of South American Indians. [1], [2]

1 Steward Julian H. (Ed.) Handbook of South American Indians. Vol 5 The comparative ethnology of South American Indians. Bureau of American Ethnology. Bulletin 143, Washington, DC, 1949
2 Ribeiro, Darcy (Editor) et alii Suma etnológica brasileira. Edição atualizada do Handbook of South American Indians. Petrópolis, RJ, Vozes – FINEP, 1986


Alguns vídeos selecionados:









Napu runas (Amazonian Kichwas) Shaman



4 comentários:

  1. FYI
    http://peregrinadanza.wordpress.com/2012/10/14/la-willka-la-willkana-y-la-chicha/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vale ver: Posted by cbrescia in Chavin, Cronistas, Plantas Maestras, Wachuma, Willka - La Willka, la Willkana y la Chicha (oct 2012)

      ...evidencia histórica que demuestra que las culturas originarias en los Andes practicaron rituales en los cuales se incluyó la toma de plantas maestras, entre estas tenemos a la Hoja de Coca (Erythroxylum coca), a la Hoja de Tabaco (Nicotiana rustica) y al Cactus Wachuma (Trichocereus pachanoi, T. peruvianus y T. terscheckii). ...

      Excluir
  2. ayahuasca; chacrona (chacruna / chakruna); apo, lupuna, inca, são algumas das palavras quechuas que sobreviveram no Brasil junto com o uso ritual ayahuasca na amazônia. O trabalho de Gayle publicado no forum ayahuasca (http://forums.ayahuasca.com/viewtopic.php?t=20194) identificas dezenas de outras utilizadas por curanderos vegetalistas da américa andina - a macro-etnia neo-inca com denominava Darcy Ribeiro. Vale ver:

    http://tribes.tribe.net/quechua/thread/a7ec6058-2344-4033-a532-47d2bccaaa38

    ResponderExcluir